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Apogeu e Declínio da Vila de São João Marcos
Data de Publicação: 1 de janeiro de 2018 10:59:00
Por Sebastião Deister*
A história da extinta Freguesia de São João Marcos remonta ao ano de 1733, quando João Machado Pereira, aproveitando os trabalhos de abertura de estradas entre São Paulo e Minas Gerais promovidos pelos bandeirantes da época, instalou nas glebas periféricas da chamada Serra de Itaguaí uma propriedade que logo se tornou pioneira entre as fazendas que, em pouco tempo, levaram o atual território de Rio Claro a uma posição de destaque dentro do período cafeeiro que tanto caracterizou o Segundo Reinado Brasileiro. Com efeito, a pedido de Antônio da Silva Caldeira Pimentel, então Governador da Capitania de São Paulo, os desbravadores paulistas rasgaram pela serra uma estrada que, partindo da área da Bocaina, desceu para o litoral de Angra dos Reis e Parati, com isso permitindo a circulação segura dos Quintos de Ouro destinados ao Rio de Janeiro. Por conseguinte, dezenas de aventureiros e fazendeiros valeram-se de tal caminho para fomentar a instalação de ricas propriedades pela região, possibilitando com isso o nascimento de vilas e povoados que, em pouco tempo, transformaram-se em localidades hoje conhecidas como Lídice, Getulândia e Passa Três.
No ano de 1739, João Machado Pereira ergueu uma capela em honra de São João Marcos nas proximidades de sua propriedade, atraindo para seu entorno uma pequena população cujo crescimento permitiu à modesta ermida transmutar-se em Paróquia já no ano de 1755. Novos investimentos no humilde templo contemplaram-no com a construção de duas imponentes torres que logo se destacaram no cenário da pequena vila. Por consequência, a antiga capela viu-se revestida da condição de Igreja Matriz, e em 1801 o povoado ganhou o título de cidade, em cuja praça central o povo se reuniu para uma merecida festa de confraternização religiosa e popular.
Com a expressiva expansão da monocultura cafeeira pelo Sul da Província do Rio de Janeiro, São João Marcos, Resende (antiga Campo Alegre da Paraíba Nova), Valença, Santa Theresa (Rio das Flores), Vassouras, Valença e Paraíba do Sul ganharam imensa notoriedade social e financeira. O povoado de São João Marcos (então chamado São João do Príncipe) viu-se elevado à condição de Vila em 1811, chegando à categoria de cidade em 1890, exatamente quando as notáveis fazendas da região alcançavam uma produção de 2 milhões de arrobas (ou 30 milhões de quilos) de café por ano, ou seja, cerca de 25 toneladas do precioso grão a cada mês.
Ressalte-se que São João Marcos constituiu uma das mais importantes localidades do Sul Fluminense, contando com 20.000 habitantes, uma grande igreja católica, teatros, escolas públicas, criação de gado e fábricas manufatureiras. Cantores de óperas e musicistas conhecidos chegavam do exterior para apresentações nos diversos palcos da cidade. Muitas famílias ricas e poderosas contratavam governantas estrangeiras e professores particulares para educação personalizada de seus filhos, enquanto bibliotecas inteiras e instrumentos musicais chegavam em carroças ou no lombo de mulas. Por sua vez, arquitetos e mestres-de-obras eram constantemente chamados para erguerem novas casas e prédios públicos.
Também em São João Marcos apareceu, em 1856, a primeira estrada de rodagem do Brasil, cujos 40 km de extensão serviam para escoamento do café das fazendas do Vale do Paraíba diretamente para o Porto de Mangaratiba. Já em sentido contrário, chegavam mercadorias da Corte e um considerável plantel de escravos. Com efeito, espraiando seu poder por toda área de Mangaratiba e São João Marcos, o Comendador Joaquim José de Souza Breves, alcunhado “O Rei do Café”, na época o maior fazendeiro da região e considerado o homem mais rico do Brasil Imperial, dispunha, segundo o professor Alberto Lamego, de 6 mil negros distribuídos de maneira racional em aproximadamente 80 fazendas administradas por membros da numerosa família Breves.
Entretanto, súbitas epidemias de malária dizimaram considerável parte da população local após a decadência da lavoura cafeeira advinda da Abolição da Escravatura. Posteriormente, com a formação do lago da Represa de Ribeirão das Lajes, pertencente à companhia canadense The Rio de Janeiro Tramway, Light and Power, seu declínio se tornou irreversível, até porque a cidade toda seria inundada. Em 1943, a população restante foi deslocada para Rio Claro, Mangaratiba, Itaguaí e Piraí, porém as águas da represa nunca cobriram totalmente São João Marcos, ou seja, um projeto mal estruturado e pessimamente calculado fez naufragar um dos mais ricos e produtivos povoados do Sul Fluminense.
Por ocasião do tombamento do seu Centro Histórico pelo IPHAN – em 19 de maio de 1939, ano de seu bicentenário – a histórica cidade já havia passado à simples situação de distrito do município de Rio Claro (por Decreto de 1 de janeiro de 1938), reunindo pouco mais de 5.000 habitantes. Por essa mesma época, São João Marcos nada mais era do que um cartão postal afogado pela represa do Ribeirão das Lajes, única solução encontrada pela LIGHT para ampliar a oferta de energia no estado do Rio de Janeiro.
De fato, em 3 de junho de 1940 selara-se a sorte do Distrito. Pelo Decreto n º 2269, assinado pelo então Presidente Getúlio Vargas, São João Marcos perdia seu título de monumento nacional, embora o próprio IPHAN afirmasse ser aquela localidade “(...) um raro exemplo intacto de conjunto de arquitetura colonial (...)” Assim, mesmo encarando o repto de ter desaparecido sob as águas da enorme represa, grande parte da cidade jamais chegou a ser totalmente inundada. Tanto isto é verdade que a Igreja Matriz poderia ter sido salva naquela infausta ocasião, caso não tivesse sido apressadamente demolida, visto que, pelo fato de se localizar mais a cavaleiro da cidade, ela acabou por não ser encoberta pelas águas.
A poucos meses de seu completo desaparecimento, São João Marcos orgulhava-se de apresentar a seus visitantes a antiga capela pertencente à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e consagrada a São Benedito; 2 cemitérios (o da “Irmandade” e o da “Caridade para os Pobres”), 1 teatro (o “Tibiriçá”), 1 hospital, 1 pensão e 2 clubes (O Marquense, para a elite, que possuía futebol e danças, e o Prazer das Morenas, bem mais popular), além, naturalmente, de sua bela Matriz. Por esses tempos já não mais circulava o jornal local, batizado como O Município, desaparecido em 1932.
Em 9 de junho de 2011, inaugurou-se na área o Parque Arqueológico e Ambiental de São João Marcos – o primeiro parque urbano do Brasil – graças à participação de Instituto Light e da Secretaria de Estado de Cultura por meio da Lei de Incentivo à Cultura e apoio de diversas entidades culturais e preservacionistas do estado do Rio. O parque constitui um museu a céu aberto que busca preservar a bela história local e, por extensão, uma notável fase de vida e trabalho do Vale do Café, com isso trazendo à luz a memória da antiga e rica cidade de São João Marcos.
São João Marcos hoje ostenta a condição de 3º distrito do município de Rio Claro. As ruínas desse antigo povoado fluminense podem ser vistas às margens da rodovia RJ-149 entre os municípios de Rio Claro e Mangaratiba.
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