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Choro em Mendes: 20 anos de sucesso e muitos motivos pra comemorar
Data de Publicação: 12 de abril de 2024 17:17:00 Samba e Choro na Praça em Mendes se consolida como um dos projetos culturais mais longevos e regulares do Vale do Café
144 anos depois do registro informal de suas primeiras manifestações, o estado brasileiro enfim reconheceu o “Choro” como patrimônio cultural brasileiro. No final de fevereiro de 2024, o IPHAN registrou o gênero no Livro das Formas de Expressão do Instituto, que reúne as manifestações artísticas como o frevo, a capoeira, o maracatu e o próprio samba.
Segundo a Enciclopédia da Música Brasileira, “Os primeiros conjuntos de choro surgiram por volta de 1870, no Rio de Janeiro. Eram pequenos grupos de músicos, muitos deles modestos funcionários da Alfândega, dos Correios e Telégrafos, da Estrada de Ferro Central do Brasil, que se reuniam aos domingos no fundos dos quintais dos subúrbios cariocas ou nas residências do bairro da Cidade Nova”. Entre os grandes nomes e ícones do Choro pode-se mencionar em muitos outros Joaquim Antônio da Silva Calado, Waldir Azevedo, Jacob do Bandolim e o mestre Pixinguinha. O Choro nos legou canções atemporais, de alma puramente brasileira como Carinhoso, de Pixinguinha e João de Barro e Brasileirinho, de Waldir Azevedo, entre outras músicas marcantes.
O reconhecimento veio em boa hora e é uma pitada a mais no caldeirão de motivos para comemorar os 20 anos de um projeto no Vale do Café que ininterruptamente já passa das mil apresentações, uma verdadeira façanha em se tratando de projetos culturais no interior do Estado do Rio de Janeiro. Trata-se do “Samba e Choro na Praça” realizado religiosamente no município de Mendes nas manhãs de todos os domingos há 20 anos. A longevidade do projeto se deve a muitos fatores, mas entre eles ao talento, a insistência e ao vigor de um dos seus idealizadores, o músico e cavaquinista Alexandre Paiva, integrante do grupo Galo Preto (grupo emblemático do Choro no Brasil) e fundador do grupo Passagem de Nível. Carioca de nascimento e raíz, Alexandre mora em Mendes há mais tempo que tem o projeto de vida e a Revista Vale do Café teve a oportunidade de bater um papo com ele pra conhecer um pouco mais desse grandioso e respeitável projeto cultural, pra falar também de música e claro, falar sobre o Vale do Café
Revista Vale do Café: Conta pra gente como nasceu o projeto.
Alexandre Paiva: A ideia do projeto surgiu em 2003. Eu e o Marcos Vinícius (Marcos Vinícius Alves da Silva), que era da secretaria de turismo de Mendes, na verdade nem era secretaria porque não existia secretaria de turismo naquele período, ele era assessor da Prefeitura de Mendes. E a gente conversando, falando e lembrando de como surgiu O Choro na Praça lá em Laranjeiras, que foi um negócio que eu ajudei a criar. Aí a gente pensou, a gente estava querendo fazer alguma coisa de turismo aqui na cidade, então tivemos a ideia de fazer um projeto parecido. Nesse tempo já existia o Passagem de Nível (grupo musical de Alexandre com foco em Choro e Samba). Falei, vamos tentar encaixar então esse projeto aqui, fazer algo parecido, que eu acho que vai ser uma coisa bacana, e foi assim que nasceu o Samba e Choro na Praça em Mendes.
Foto: Integrantes do Passagem de Nível - Foto MUCIH
Revista Vale do Café: Quem são os integrantes do Passagem de Nível hoje? Qual a formação original do grupo?
Alexandre Paiva: O grupo começou comigo (cavaquinho), o Guilherme Garcia (pandeiro), o André Conforte (violão), o Josemar Ramos, que era o cantor, e o Zé Rui, que era do Cavaquinho também. Aí depois do Zé Rui entrou o Antônio Dantas, o Neneca (que também canta) e depois o Matheus Martins (clarinete), Rafael Meire (violão) e o Anderson Tuta (violão 7 cordas). Normalmente a gente não toca com essa formação toda. Eu, Guilherme, Matheus e Tuta estamos praticamente todos os domingos no Choro em Mendes. E aí se alternam outros participantes. Não tem um participante convidado sempre, mas quando é possível, convidamos alguém. Um que tem vindo de vez em quando, que é um participante legal, é o Pablo Belisário, que vem às vezes cantar com a gente.
Revista Vale do Café: Como ficou o projeto durante a pandemia?
Alexandre Paiva: Durante a pandemia, que foi um negócio muito ruim, pra não deixar de tocar, nós fizemos lives todos os domingos. Começou o recesso, nós tocamos um domingo apenas e depois passou a ser online. No domingo seguinte à paralisação oficial a gente já começou a fazer lives, então nós não falhamos um domingo. O interessante é que quando a gente voltou para a praça, além de tocar ao vivo a gente continuou transmitindo pelonosso perfil no Instagram: https://www.instagram.com/chorosambamendes_passagemnivel/
Então foi assim, durante a pandemia a gente levou, a gente levou tocando de casa e tivemos umas coisas bem bacanas até. Entrevistas com vários convidados, todo domingo tinha um convidado. Fizemos entrevistas inclusive com o Monarco e com o Nelson Sargento, para citar dois.
Foto: Samba e Choro na Praça em Mendes - Foto Antônio Falcão
Revista Vale do Café: Dá pra estabelecer um paralelo do Choro no Vale do Café com o Blues e o Jazz no Vale do Mississipi do ponto de vista da formação histórica e influência?
Alexandre Paiva: Eu não conheço muito a história do blues e do jazz, mas eu sei que como o choro, eu acho que o Blues e o Jazz surgiram também no final do século 19, se eu não me engano. Assim como o Blues é uma música genuinamente americana, o Choro é um gênero genuinamente brasileiro. De resto, por exemplo, o choro sempre foi uma música instrumental, o blues eu acho que é mais cantado, e o blues é uma música negra, puramente negra, acho que nasceu, se não me engano, em plantações, os negros escravos trabalhando nas plantações de algodão. O Choro já é mais miscigenado, embora tenha grande influência negra. O Blues nasceu na zona rural, o Choro já é uma música urbana, apesar de ter raízes rurais também, principalmente aqui no Vale do Café. O Blues eu não sei se tem alguma influência de algum ritmo europeu, acredito que tem alguma coisa, porque lá também tinha os ingleses, acredito que tem alguma influência também. Aqui no Brasil o Choro é a mistura mesmo dos ritmos Europeus, da polca, do xote, da valsa, com um ritmo africano, então acho que tem algumas coisas em comum, mas tem muita coisa diferente também. De qualquer maneira uma coisa é certa, a influência negra, a influência africana está presente nos dois.
Revista Vale do Café: E do ponto de vista técnico/musical?
Alexandre Paiva: É, do ponto de vista técnico-musical, eu não sei te dizer. As pessoas gostam de perguntar se o Choro é o Jazz brasileiro. Eu acho que nunca perguntaram para um músico americano se o Jazz é o Choro americano. Então eu fico meio ressabiado, eu não gosto muito dessas comparações. Eu acho que o Jazz é o Jazz, o Choro é o Choro, e o Blues é o Blues. sei lá, Acho que o Blues é uma coisa mais cantada. Eu sei que tem Blues instrumental, mas eu acho que é uma música mais cantada. O Jazz é mais instrumental, como o Choro, embora também haja Choro cantado. As pessoas gostam de comparar o negócio do improviso. Mas o improviso do Choro é bem diferente do improviso do Jazz.
Foto: Primeira formação do Galo Preto em 1975 com Zé Maria Braga, Afonso Machado, Mauro Rocha e Alexandre Paiva foto arquivo
Revista Vale do Café: Fala pra gente um pouco do Galo Preto. Como era participar do mercado fonográfico naquela época com um grupo de Choro?
Alexandre Paiva: Foi uma época em que o choro meio que estava na moda. Resolveram gravar Choro com uma garotada mais nova que estava começando. O Choro só existia em quintal, não existia mais choro ao vivo quando o Galo Preto Surgiu. A gente fez muito sucesso porque não tinha isso de garoto novo tocando choro. Em 1975 eu tinha 19 anos e foi a época que eu comecei a tocar. O Galo Preto era formado por garotos.Foi um espanto. Teve muita mídia legal. No rastro do Galo foram aparecendo outros grupos como “Os Carioquinhas”, Nó em Pingo D´água e alguns outros. Em 1977, a novela Pecado Capital, tinha um Choro chamado “Boêmios” do Anacleto de Medeiros que fazia parte da trilha. Juntou um movimento que já estava crescendo, da garotada tocando choro e os caras começaram a gravar disco de Choro. O Galo pela RCA Victor, os Carioquinhas pela Som Livre, não foi nada absurdo, acho que havia uma meia dúzia de discos gravados, talvez nem isso, mas foi importante. E foi muito legal. Essa época foi muito boa. Nós tocamos pra caramba. Para nós foi maravilhoso né porque nós gravamos o disco em 1977, mesmo ano em que o Cartola também gravou na RCA Victor, e aí por conta disso, o José Luiz de Oliveira que era diretor na RCA teve a ideia, que a gente agradece até hoje de fazer o lançamento em conjunto do disco do Cartola com o do Galo preto e isso culminou com um show histórico em 1978 no Teatro da Galeria que juntou o Cartola com o Galo Preto que virou uma coisa inesquecível não só para gente como para quem assistiu também. Foi uma coisa espetacular. Mas depois os outros discos já tivemos que fazer de maneira independente, acabou o negócio de gravadora querer disco de Choro.
Foto: Alexandre com os integrantes do Galo Preto na Casa de Cartola em 1978 foto arquivo
Revista Vale do Café: Como você vê o Vale do Café como região turística hoje?
Alexandre Paiva: O Vale do Café é um destino maravilhoso. É um espetáculo. Eu acho que só tende a crescer. Está com uns hotéis muito bacanas, as cidades estão ficando mais arrumadas. Você vê que Miguel Pereira está bacana para caramba. Acho que as pessoas estão vendo que vale a pena investir em turismo aqui na região. Tem a história de Vassouras, que por si só já é uma atração. Todo o casario. Eu acho que o Vale do Café é um destino maravilhoso. Acho que já foi descoberto e agora está se desenvolvendo bastante. As atrações culturais são muitas. É um turismo de cultura, um turismo cultural basicamente. Apesar de ter muita coisa também de belezas naturais. A única coisa que eu não gosto é quando fazem esse negócio de ligar o vale com o barão, isso aí eu não gosto, mas não gosto mesmo, porque esses barões eram uns canalhas, não tem como negar isso. Eu gostaria que a relação fosse muito mais com a cultura dos escravos, acho que a ligação tinha que ser com a cultura dos escravos, a coisa cultural mesmo, você vai conhecer os casarões, que é realmente independente dos caras serem canalhas ou não, as construções são bonitas pra caramba, retrato uma época, mas eu não gosto desse negócio de fazer a ligação do vale com o barão não, eu acho que tem que fazer ligação do vale com a cultura do vale, com a cultura do negro, a cultura do escravo, isso aí é muito mais importante e também toda a parte hoje em dia que tem, né, do próprio café, que estão fazendo agora café gourmet, com as cachaças maravilhosas que nós temos aqui, todo o resto, né, a parte de gastronomia, com queijos, com tudo que tem por aqui, é uma região maravilhosa. Eu acho que está cada vez sendo mais bem explorada e eu acho que é fantástico, eu acho que as cidades tem que investir em turismo mesmo, é o que é bom pra gente aqui, até porque turismo cultural é uma coisa que preserva, é uma coisa bacana, eu tô super empolgado com o que tem acontecido aqui no Vale em termos de turismo.
Revista Vale do Café: É uma pergunta clichê mas queremos ouvir de você: como manter um projeto tão assíduo e regular assim durante 20 anos? Qual o segredo?
Alexandre Paiva: Eu acho o seguinte, já faz 20 anos que nós estamos aqui, eu acho que realmente, o principal é a dedicação do grupo, do Passagem de Nível. Acho que é isso aí, não só a dedicação como a excelência do grupo. O grupo é muito bom e eu acho que um projeto como esse só se mantém se você tiver uma coisa muito boa sendo apresentada. Acho que é fundamental também o apoio que nós temos da prefeitura de Mendes. Durante todos esses 20 anos nós tivemos patrocínio da prefeitura, que é o que faz a gente poder se dedicar, não furar nenhum domingo. Então você tem que ter muita dedicação, e para você poder manter isso, você tem que ter apoio, porque antes da gente começar a tocar aqui em Mendes domingo a gente fazia muitos shows em hotéis e outros lugares na região. Era um dia que a gente faturava, e a gente teve que abandonar isso, e praticamente abandonamos também os shows que a gente fazia principalmente no Rio, às vezes a gente tocava na Lapa, em outros lugares, saía duas horas da manhã, então ficava muito difícil, mas como a gente tem esse patrocínio, mesmo que ainda não seja um cachê alto, dá para a gente se dedicar. Então o segredo é esse, eu acho que é perseverança, e a qualidade do que a gente apresenta. O apoio que a gente tem da prefeitura e, principalmente, as pessoas que vão assistir que gostam demais, sejam moradores de Mendes ou os turistas. Tem muita gente que chega aqui e fala, meu Deus, como eu queria que eu tivesse isso na minha cidade. Tem gente que vem de muito longe para assistir, é um negócio impressionante.
Revista Vale do Café: Quais os planos para 2024?
Alexandre Paiva: Bom, os projetos para 2024, vou falar do geral aqui. Vamos continuar com o Choro e Samba na Praça, agora já em abril já vamos ter o Café, Cachaça e Chorinho, e já posso te adiantar que nós vamos ter aqui a Nina Wirtti, Luiz Barcelos, o Galo Preto vai tocar também. Nós vamos fazer um show junto com o Pablo Belisário em homenagem ao Nelson Sargento, o Pablo Belisário é sobrinho dele, vem a Didi Assis, que é uma cantora muito legal que se apresenta lá na Lapa, e tá faltando ainda fechar uma apresentação. O Passagem de nível tem se apresentado também algumas vezes fora de Mendes, nas cidades aqui da região, na capital, e vamos continuar fazendo isso também. E em relação ao Galo Preto, nós vamos começar a trabalhar agora alguma coisa para comemorar os 50 anos do grupo em 2025. Vamos ver o que a gente consegue fazer em 2025, a ideia é fazer vários shows pelo Estado, e pelo Brasil também, o Galo Preto já tocou em praticamente todo o Brasil. E a gente está querendo fazer uma turnê, de repente fazer um show maior no Rio, estamos vendo a sala Cecília Meirelles, vamos ver.
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