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Avenida dos Operários – A linha de costura da grande fábrica têxtil

Avenida dos Operários – A linha de costura da grande fábrica têxtil

Data de Publicação: 24 de abril de 2023 11:10:00

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Por Ronaldo Vicente Pereira*

    Se o município de Paracambi é uma das entradas do vale do café, a Avenida dos Operários é a entrada do centro da cidade, a principal ligação entre a estação ferroviária e antiga fábrica de tecidos. Centenária e recentemente reurbanizada, essa artéria urbana esconde histórias e curiosidades desconhecidas e imperceptíveis à maioria. Por esse caminho, milhares de operários, a pé ou de bicicleta, transitaram diariamente durante mais de um século e meio, tecendo no vaivém cotidiano, uma linha imaginária carregada de sentimentos, que na esmagadora maioria das vezes nunca contados e que ao tempo, coube abainhar.
    Nos primórdios da urbanização dessa região, a qual pertenceu ao 7º Distrito de Vassouras, conhecida como Macacos. Nome também do ramal e da última estação ferroviária, inaugurada em 1861 nas terras baixas por onde passavam os trilhos da antiga Estrada de Ferro D. Pedro II. Teve com a construção da antiga Companhia Têxtil Brasil Industrial, uma década depois, e consequentemente, com seu funcionamento total logo após o aumento da produção e de seus operários, a ampliação do ramal até as dependências da grande fábrica de tecidos.
    A velha linha ferroviária serviu ao antigo distrito por décadas, até ser completamente removida e soterrada pelas diversas reformas urbanísticas nos anos posteriores. Em seu entorno foram surgindo, aos poucos, pequenas construções, como mostra a imagem 1, até que, a partir de sua emancipação em 1960, a cidade de Paracambi já estava formada.

    Com pouco mais de um quilômetro, a Avenida dos Operários tem seu início na Praça D. Pedro II, interseção com a Rua Dominique Lével, outro importante logradouro municipal, que homenageia um antigo diretor da fábrica de tecidos e que fora tratado em um artigo na edição Nº 19 desta revista. A referida praça tem cerca de 100 metros de comprimento e forma o canteiro central dividindo a mão dupla da via. Tem bancos para sentar em meio a jardins bem conservados e uma fileira de grandes palmeiras imperiais, além de uma escultura em bronze. Uma homenagem ao ex-governador Roberto da Silveira primo do primeiro prefeito de Paracambi, Délio Basilio Leal em 1960.   
    Hoje a avenida pode ser dividida em cinco partes muito distintas: a primeira caracteriza-se pelo comércio, apesar de algumas residências. Foi nessa parte que surgiu o primeiro posto de combustível da região, no sentido fábrica à direita. Conta-se que o empreendedor se chamava Manoel Florio Corrêa, conhecido como Dedeco, que provou em Vassouras ter pelo menos oito veículos motorizados registrados em Macacos. Era por volta de 1930 e como mostra a imagem 2, a bomba da franquia Shell foi instalada. Nas proximidades, durante a década de 1980, havia também o Cinema Avenida com capacidade para 600 pessoas.

    A segunda parte é formada por repartições públicas e autarquias como O Banco do Brasil, a Câmara dos Vereadores, o Posto de Saúde Municipal, uma escola pública, o Fórum, o estádio de futebol e até pouco tempo, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Nesse trecho da via, no local onde encontra-se a Câmara Municipal, ficava as primeiras instalações da prefeitura na década de 1960.
    Seguindo a avenida, logo após a Câmara dos Vereadores, tem-se à esquerda um dos mais antigos colégios públicos da cidade, o Colégio Estadual Presidente Rodrigues Alves (CEPRA). Construído em tom modernista na forma de grande caixotão retangular horizontal e vãos separados por pilotis, que formam duas colunatas, segue o mesmo estilo do famoso Edifício Gustavo Capanema, antigo prédio do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro, respeitando as devidas proporções de gabarito. Inaugurado em 1954, o maior colégio estadual do município teve seu primeiro nome de Grupo Escolar Presidente Rodrigues Alves, depois Escola e por fim Colégio. Com a enchente da década de 1960, todo o seu antigo arquivo foi perdido e por isso há carência de informações sobre a instituição de ensino.
    Bem em frente à escola costuma-se armar um palanque para as comemorações dos desfiles cívicos de emancipação da cidade, que data de 8 de agosto. No mesmo local aconteciam os desfiles das escolas de samba da cidade, entre outros eventos. No lado oposto da avenida temos o estádio de futebol e a sede do Brasil Industrial Esporte Clube ou simplesmente BIEC, fundado em 01 de maio de 1912 com o nome Paracambi Futebol Clube. Era formado por funcionários da antiga Fábrica e por um grupo de jovens vindo do Bangu Atlético Clube, os verdadeiros idealizadores. A oficialização do clube de futebol de Paracambi só se deu em 16 de julho daquele ano. 
    Antes de se instalar no local em que está hoje, durante a primeira metade do século XX, o BIEC ficava no lugar onde atualmente se encontra o CEPRA. Em 1932, a área sofreu uma grande enchente e duas décadas depois o Brasil Industrial Esporte Clube mudou-se para onde se encontra.
     Do mesmo lado direito da avenida e logo após o clube esportivo, tem-se o Forum Emilio Carmo, primeiro juiz da cidade, que foi por dois mandatos o presidente da Associação dos Magistrados Fluminenses (AMF). Seu nome figura como logradouro onde fica a atual prefeitura do município, na estrada Lages-Paracambi. A instalação do Forum foi realizada em 09/6/1961 pelo Presidente do Tribunal de Justiça, o Desembargador Nestor Rodrigues Perlingeiro.
     A terceira parte da avenida, já depois da ponte sobre o Rio dos Macacos, acidente geográfico, que no passado dividia a região e a partir dele começava o 3º Distrito de Itaguaí. Sempre fora formada majoritariamente de residências e de alguns poucos estabelecimentos comerciais, muitos deles anexados às moradias, além de uma escola particular. É sem dúvida o trecho da via mais bonito, ladeado por fileiras de oitizeiros, imagem 3, podados periodicamente para que fiquem sempre com o mesmo volume de copa e que não venham causar danos à rede elétrica. Durante às festividades natalinas, as árvores ganham iluminação especial e é a partir desse trecho que a via tornou-se mão única, após as obras de reurbanização.

    Como já mencionado, todo o trecho da via era servido por um trem, que no início era a vapor e, posteriormente, por bondes chamados de Trolley, puxados por burros. O transporte semovente acabou caindo nas graças dos moradores, que o chamavam de “Trole”; algumas lendas giram em torno desse personagem característico dos tempos da Paracambi industrial. Uma delas fala que o entregador de pão do bairro deixava os pães, conforme a encomenda, em pacotes pendurados nas janelas das casas da Avenida dos Operários. Os animais só trabalhavam durante o dia e eram soltos à noite para pastarem pela linha e quando viam os pacotes de pão nos sacos tratavam logo de comê-los. Conta-se que os moradores tinham que acordar cedo, bem antes de os burros passarem, para não ficar sem o pão do café-da-manhã. 
    A quarta parte da avenida é a área do lazer, onde estão o Cassino Social e a Praça Castelo Branco, apesar deste último espaço geográfico ser uma mescla de residências e alguns estabelecimentos comerciais, principalmente de alimentos, seus destaques são o Clube e a Praça com seu campo de futebol, quadra esportiva e rampa de skate, além de aparelhos de ginástica. 
    Era nas mediações dessa praça, que sofreu várias reformas ao longo do tempo, onde funcionava a escola noturna, o açougue e o armarinho da Fábrica Brasil. Nela havia também um coreto, que servia de palco para a banda de música local e há pouco tempo aconteciam grandes eventos artísticos da cidade. Hoje o espaço é mais conhecido como Praça do Cassino ou Praça da Concha Acústica, que conta com um grande palco com uma cobertura geodésica formando uma concha.
    O Clube Cassino encerra a penúltima parte da Avenida dos Operários e é uma construção muito imponente do período industrial em Paracambi, ficando atrás apenas da própria Fábrica Brasil. Está bem em frente à Praça Castelo Branco, sendo sua construção datada de 1894 e foi feita por iniciativa do diretor Dominique Lével, que concedeu ao operariado o sólido barracão de madeira, coberto por zinco e com dois pavimentos. Era considerado um luxo para a época. 
    O Cassino como é mais conhecido, até hoje marca a vida social da cidade e assim o era no passado para os operários e congregados de Paracambi. Visto com orgulho pelos trabalhadores locais, era nele que se organizavam as festas de casamentos, os batismos, os bailes de carnaval, exposições de produtos fabris, ensaios da banda e do grupo de teatro, além das festas dançantes e outras ocasiões sociais permitidas pela Fábrica Brasil. Consistia, assim, no lugar comum compartilhado pelos operários para as atividades criadas, além da reprodução do mundo fabril. 
    A quinta e última parte é marcada pelo complexo fabril, mas não o do passado, no ritmo frenético de operários se reservando em turnos durante 24h. Hoje é formado por estudantes e servidores das várias instituições de ensino que formam a Fábrica do Conhecimento. O espaço tornou-se também uma extensão da área de lazer, pois durante o dia não há lugar melhor na cidade para a caminhada em meio a um imenso bosque formado por espécies de árvores da Mata Atlântica e um lindo caminho de gigantes oitizeiros que ladeiam o único trecho da via em paralelepípedo. Remanescentes do período fabril são a casa gerencial conhecida como Casarão e a capela primitiva de 1880 localizados no alto de uma pequena elevação no início do bosque. 
    Trilhas, caminhos, vielas, ruas, avenidas, estradas, rodovias, ferrovias, hidrovias, aerovias, não importa o nome que se dê. Todas, dentro de suas especificidades, têm o mesmo significado, algo que liga um ponto ao outro. Desde as civilizações mais antigas, à medida que o homem precisasse sair de um espaço geográfico para outro, era criada uma rota. Mesmo que não fosse mais usada, as trilhas criadas por determinadas tribos poderiam muito bem ser usadas por outras mais tarde. O uso constante dessas rotas acabaria na construção de estradas. 
    Foi assim na Mesopotâmia, Egito, China e Roma antiga, logo, os etruscos, que habitavam a Península Itálica naquele período, foram responsáveis pelas primeiras estradas pavimentadas de que se tem notícia e que muito ajudou, mais tarde, o Império Romano na conquista do Velho Mundo. Uma vez estabelecida uma estrada, a ocupação de seu entorno torna-se uma questão de tempo. E foi assim com a Avenida dos Operários em Paracambi nos tempos distritais. 


REFERÊNCIAS:
KELLER, Paulo. O cotidiano e o complexo: fábrica com vila operária em Paracambi/RJ. Dissertação de Mestrado – PPGSA/IFCS/UFRJ, 1996.
NATAL, Clélia R. N.; NATAL, Gilson. História de Paracambi 1800 a 1987. Rio de Janeiro: Guavira Editores, 1987.
PEREIRA, Ronaldo Vicente. Paracambi industrial: uma proposta de roteiro cultural. Dissertação de Mestrado em Bens Culturais e Projetos Sociais – FGV/CPDOC – Escola de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, 2018.

 

 

Imagem da Galeria Imagem 1 – Av. dos Operários por volta de 1920. Nota-se na faixa diagonal a avenida por onde passava a linha férrea, vinda do centro da cidade à esquerda, rumo à fábrica Brasil seguindo à direita.
Imagem da Galeria Imagem 2 – Primeiro posto de combustível de Paracambi por volta de 1930 quando ainda era distrito de Vassouras.
Imagem da Galeria Imagem 3 – Av. dos Operários após a reurbanização.
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