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Dr. Miguel da Silva Pereira

Dr. Miguel da Silva Pereira

Data de Publicação: 1 de abril de 2017 11:09:00 Quem foi Miguel Pereira

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Por Sebastião Deister*


    Miguel da Silva Pereira, filho do coronel Virgílio da Silva Pereira e de Porcina Magalhães Pereira, nasceu no dia 2 de julho de 1871 na Fazenda do Campinho, propriedade encravada na Serra da Bocaina, em terras paulistas de São José do Barreiro. Até os 12 anos, o garoto viveu na fazenda, recebendo uma alfabetização básica ministrada pela própria mãe. Esgotados os recursos caseiros de ensino, o pai levou-o para o Rio de Janeiro, inscrevendo-o nos exames preparatórios do internato do Colégio D. Pedro II. Embora confiante no talento do filho, o coronel mostrava-se apreensivo com a concorrência de outros estudantes e com o alto nível das provas. Entretanto, todas as preocupações que o afligiam cederam lugar à euforia, porque além de conseguir brilhantemente uma vaga naquele bastião de ensino, o menino logo manifestou sua invulgar inteligência, apresentando um aproveitamento ímpar em todos os testes propostos pelos mestres ao longo de exames estafantes. Em poucos meses, valendo-se de um inato dom de comunicação, Miguel Pereira pôs-se a repassar aos colegas mais embaraçados tudo aquilo que assimilava com extrema facilidade, revelando bem cedo a qualidade de transmitir conhecimentos que faria dele, anos depois, um conceituado professor universitário.
   Com apenas 20 anos Miguel Pereira ingressava na histórica Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, após ter obtido distinção em todas as exaustivas provas acadêmicas. Cinco anos depois – ou seja, em 1896 –, o precoce acadêmico apresentava uma tese revolucionária à Congregação da Faculdade de Medicina, condensada numa obra de raro fôlego e excelência intitulada “HEMATOLOGIA TROPICAL”, com a qual deixou eternizado seu nome nos anais da medicina brasileira. Tal tese jogava por terra a preconceituosa ideia de que o sangue do homem nascido nos trópicos seria inferior em qualidade ao sangue do homem europeu, suposição que tentava explicar uma anemia peculiar dos nossos trópicos. O minucioso e inquestionável trabalho de Miguel Pereira já revelava o metódico espírito de pesquisador que ele aperfeiçoou ainda mais nos anos seguintes e, principalmente, suas preocupações em relação às doenças que tanto molestavam as populações mais humildes. A tese revelou-se também incontestável com o tempo.
    No dia 4 de outubro de 1907 Miguel Pereira foi nomeado como Professor Substituto da 6ª Seção de Clínica Médica, ocasião que aproveitou para pronunciar na Academia um vibrante discurso em defesa da melhoria do ensino de Medicina no Brasil. No ano seguinte, recebeu a indicação para ocupar a Cadeira de Patologia Médica. Seus feitos profissionais sucediam-se celeremente, e já em 1909 a Congregação da Faculdade indicava-o para reger a 1ª Cadeira de Clínica Médica, cátedra em que permaneceu até o dia de sua morte.
   Em outubro de 1916, ao saudar o professor Aloísio de Castro em solenidade na Academia, Miguel Pereira proferiu o mais célebre e veemente discurso de sua vida. Afinal, o que vira e enfrentara em suas andanças pelo interior, junto aos pobres das regiões ribeirinhas, servira de mote final para sua indignação e até mesmo jogara em sua alma dúvidas sobre a validade do trabalho médico no Brasil. Depois de apresentar um quadro caótico e intolerável relativo à saúde do povo brasileiro, que sobrevivia a duras penas no meio rural, lançou ele a frase que notabilizou de vez seu nome no país: O Brasil é, ainda, um imenso hospital!
    A comoção causada por esta frase contundente atingiu todos os meios sociais e administrativos do país, até porque fora lançada por um homem de imensurável envergadura moral e ilibado senso profissional e ético, cuja posição nos meios acadêmicos era inatacável e exemplar.
    Foi uma providencial coincidência, entretanto, que fez Miguel Pereira descobrir a Vila da Estiva, que hoje leva seu nome. Tratando de uma moléstia respiratória que de súbito acometera o Almirante Alexandrino de Alencar – o grande restaurador da Marinha de Guerra do Brasil – Miguel Pereira aconselhou-o a procurar uma estância de altitude, onde certamente o ar mais tépido contribuiria para o seu bem-estar. O Almirante veio então para a fazenda de Jorge João Dodsworth, o barão de Javary, que já alardeava no Rio de Janeiro as notáveis virtudes do clima da Serra do Couto. Após uma boa temporada de repouso às margens do lago, o militar retornou ao Rio de Janeiro e apresentou-se a Miguel Pereira para uma nova avaliação médica. Visivelmente impressionado pela cura de seu paciente, o médico sentiu crescer em sua alma o ímpeto que sempre o levava a procurar a roça nos momentos mais difíceis de sua existência. Ali, sonhava ele, residia a provável solução de seus dois problemas mais imediatos: o retorno às suas origens e o lenitivo para os seus males.
    É bem possível que outras coincidências não tenham passado despercebidas àquele homem tão perspicaz: a Vila da Estiva chamara-se anteriormente Barreiros, praticamente o mesmo topônimo de sua cidade natal (São José do Barreiro) e na Faculdade de Medicina havia um colega seu – Dr. Henrique de Toledo Dodsworth, filho do barão de Javary –, em cuja fazenda o Almirante Alexandrino de Alencar repousara e encontrara a cura para o seu mal. Curioso, otimista, esperançoso e certamente encorajado pelo colega acadêmico, Miguel Pereira viajou então pela primeira vez em busca da Estiva. Começava então um novo caso de amor em sua vida. Comovido pelo clima sonolento das montanhas altivas, tocado pelas delícias da serra verdejante e aninhado naquela tranquilidade provinciana e simplória que tanto lembrava sua fazenda de infância, o médico famoso sentiu-se de novo uma criança, e sem hesitação fixou- se em definitivo naquela área intocada, ali adquirindo a propriedade rural que acabou por se confundir posteriormente com o seu próprio nome: a Vila Maria Clara, de onde passou a proclamar para o país os atributos ímpares de seu clima “(...) como sendo provavelmente o 3° melhor do Mundo!”
    Corria o ano de 1915 e ninguém podia supor que ele desfrutaria por pouco tempo as delícias oferecidas pela terra que elegera como sua última morada. Contudo, sabia ele aproveitar ao máximo cada minuto de vida em seu sítio amado.
    No ano de 1918, quando Miguel Ozório de Almeida viera conviver com seu mestre no Sítio Maria Clara, declarar-se-ia de forma inexorável a doença que o mataria. Contudo, nada no semblante daquele homem tranquilo, trabalhador, sorridente e alegre deixava perceber as agruras do mal que o consumia lentamente. Em finais de maio de 1918, contudo, agravaram-se os sintomas de sua moléstia incurável. Esta não chegou a ser formalmente diagnosticada, mas de acordo com o professor Almeida Prado, Miguel Pereira apresentava uma compressão típica de mediastino provocada, ao que tudo indicava, por um extenso e letal tumor de acústico, muito embora até o fim tenham permanecido dúvidas a respeito de tal definição médica. Constatando a injúria daquela devastadora doença, Miguel Pereira subiu em definitivo para o seu adorado sítio na Estiva, vindo conviver no conforto doméstico proporcionado pela esposa Maria Clara e pelos filhos Helena, Vera Lúcia, Lúcia Vera, Maria Clara (Mancala), Miguel Filho e Virgílio Mauro, este o filho caçula destinado a ser médico como o pai.
    No dia 23 de dezembro de 1918 – uma segunda-feira que antecipava para a família um Natal enlutado – perto da hora final e numa inequívoca prova de seu amor pela Estiva –, Miguel Pereira afastou seu sofrimento por alguns minutos para formular um único e singelo pedido: que sobre seu túmulo fosse espalhado um pouco da terra recolhida no jardim do seu adorado sítio serrano.
    Dessa infausta data em diante, moradores e visitantes da vila passaram a se referir à localidade como “a Estiva do Dr. Miguel Pereira”, e ao longo dos anos vinte do século passado a titulação foi simplesmente abreviada para Miguel Pereira, topônimo logo homologado pela Prefeitura de Vassouras, então cabeça de município.

 

Imagem da Galeria Dr. Miguel Pereira
Imagem da Galeria Sítio Maria Clara
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