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Francisco Alves

Data de Publicação: 1 de janeiro de 2017 11:10:00 O Rei da Voz

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Por Sebastião Deister*

    Filho de um casal de imigrantes portugueses chegado ao Brasil em finais do século XIX, Francisco de Moraes Alves nasceu no Rio de Janeiro em 19 de agosto de 1898, passando toda sua infância no bairro da Saúde, onde o pai montara um pequeno botequim. À medida que crescia, o rapaz tomava consciência da voz privilegiada que Deus lhe dera. Encorajado por familiares, vizinhos e companheiros de trabalho, passou a cantar em festinhas de bairros, pondo na cabeça o sonho de um dia tornar-se cantor profissional. Em 1918, com apenas 20 anos, encheu-se de coragem e apresentou-se como intérprete na Companhia de Espetáculos Teatrais de João de Deus Martins Chaves, aceitando participar de temporadas em circos e no grande Pavilhão do Meyer, para onde, na época, afluíam as jovens promessas artísticas surgidas no país. No ano seguinte, convidado por João Gonzaga (filho da célebre compositora e cantora Chiquinha Gonzaga), então proprietário da recém-fundada etiqueta Disco Popular, gravou seu primeiro disco interpretando duas composições de J. B. da Silva – o conhecido e renomado Sinhô – a saber: a marcha “Pé de Anjo” e o samba “Papagaio Louro”, este mais divulgado com o título de “Fala Meu Louro”. Com a imediata aceitação dessas músicas, que difundiram seu nome pelo Rio de Janeiro, Francisco Alves então recebeu uma solicitação da gravadora para fazer o registro fonográfico de outra canção de Sinhô intitulada “Alivia Esses Olhos”, tendo a acompanhá-lo o Bloco dos Africanos, um típico conjunto regional organizado e dirigido pelo próprio Sinhô.
    As movimentadas casas noturnas da Praça Tiradentes de imediato renderam-se àquela voz inigualável, e sua fama atraiu o interesse da poderosa gravadora Odeon, para a qual foi levado pelo amigo e compositor Freire Junior em 1924. Por essa famosa etiqueta fonográfica, Chico gravou de início duas músicas do companheiro Freire Junior chamadas “Mademoiselle Cinema” e “Não me Passo prá Você”, movimentadíssimas e alegres marchinhas carnavalescas que alcançaram um êxito invulgar na cidade.
    Já não causava surpresa na capital a aceitação das excelentes gravações de Chico Alves, visto que, meses antes, ele registrara em disco o samba “Miúdo”, de S. Neves, o que confirmava no vinil sua notável capacidade de interpretação. Em função dessa gravação, a Odeon não mediu esforços nem dinheiro para tê-lo permanentemente em seus quadros profissionais.
   Como resultado do sucesso que já o coroava, a gravadora firmou com o cantor um ótimo contrato, e Chico de pronto alcançou, por esse selo, as suas gravações mais retumbantes, como a composição “O que é Nosso?” (de Caninha) e “Samba da Madrugada” (de Salvador Corrêa), ambos em 1927. Trabalhando de maneira quase ininterrupta com seu grande astro, a Odeon lançou em seguida “Cassino Maxixe” e “Ora, Vejam Só”, novas obras do velho e dedicado amigo Sinhô.
    Todas as gravações daquela época eram realizadas por um antigo sistema mecânico, pesado e lerdo. Com a evolução das técnicas de registro vocal, surgiu alguns anos depois um modelo de gravação elétrica e Chico foi o primeiro cantor brasileiro a dele se beneficiar, gravando um disco por tal processo e nele cantando, sob o histórico nº 10001 da Odeon, as canções denominadas “Passarinho” e “Passarinho do Má”, marcos divisórios na discografia do país.
    Em 1928, o cantor passou a gravar na hoje extinta firma Parlophon e por essa casa lançou aquele que veio a ser o mais extraordinário sucesso de sua carreira e com o qual o Brasil finalmente tomou conhecimento da admirável potência de sua voz e das qualidades de suas interpretações: “A Voz do Violão”, composição que regravou com novos arranjos por mais três vezes em sua vida e em função da qual ele se consagrou para a eternidade com o até hoje imbatível título de REI DA VOZ.
    A partir dessa célebre gravação, Chico Alves entrou em definitivo para a galeria dos maiores cantores de todos os tempos no Brasil, vendo seu nome ganhar prestígio e reconhecimento em todos os países das América do Sul e até mesmo em alguns centros europeus.
    Incensado pela crítica, adorado pelos fãs, aclamado pela imprensa escrita e falada, respeitado pelos companheiros de profissão e endeusado pelos apresentadores de programas de rádio ao vivo da época (como o afamado César Ladeira), ele abandonou todos os seus afazeres particulares e passou a dedicar tempo integral a espetáculos ao vivo em teatros e emissoras de rádio, a novas gravações e a exibições especiais na querida e prestigiada Rádio Nacional, a grande formadora de opinião na metade do século passado e provavelmente a mais respeitável lançadora de astros e estrelas do cancioneiro popular de então.

    Excelente intérprete de versões de músicas americanas, tangos argentinos, boleros do Caribe e especialmente marchas e sambas tipicamente cariocas, foi ele o lançador do chamado “samba-exaltação”, gravando em 1939 a fabulosa “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso, um monumento musical que lhe abriu de vez as portas para uma fama invulgar.
    Astro maior da pioneira Rádio Mayrink Veiga, e logo depois artista exclusivo da Rádio Nacional, Chico Alves tornou-se o cantor que maior número de gravações produziu nos nostálgicos discos de 78 rotações por minuto: cerca de 500 discos, uma verdadeira façanha técnica e artística no dourado período representado pelos anos trinta, quando a divulgação dos acontecimentos dos meios musicais cariocas em busca de consumidores limitava-se a algumas páginas de jornais mais generosos e ao trabalho criterioso de
propaganda de algumas poucas emissoras de rádio.
    Outros fatos relevantes ainda marcaram a vida daquele autêntico carioca tão apaixonado pelo canto, como, por exemplo, a belíssima gravação feita em dupla com Mário Reis na década de trinta, e a viagem triunfal realizada a Buenos Aires em 1932, cidade em que se tornou um mito e um campeão de vendas de discos.
    Nos anos quarenta, trazido pela esposa Célia e instado por Abraão Medina, proprietário das Lojas Rei da Voz e grande amigo seu, o famoso artista passou a frequentar com assiduidade a então modesta cidade de Miguel Pereira. Cativado pelo clima leve e saudável das montanhas e pelo sereno ar de roça do lugar – e, como costumava ele dizer a seus amigos cariocas “(...) encantado com um povoado tão provinciano e puro que não me assedia e cujo ar faz bem a minha voz (...)” – Chico tratou de adquirir uma aconchegante casinha na bucólica rua Luiz Pamplona, para onde fugia sempre que seus afazeres profissionais no Rio de Janeiro permitiam, e na qual ele passou a receber em finais de semana os numerosos amigos que aos poucos conquistava pelas ruas de Miguel Pereira. De fato, em tardes mais amenas empunhava ele seu célebre violão e encostava-se à vitrine da Casa Nova –, uma grande loja mantida em Miguel Pereira pelo comerciante Miguel Levy, casado com Mercedes, irmã de Célia Zennatti – e ali então brindava fregueses e transeuntes com as memoráveis canções de seus vasto e maravilhoso repertório.
    Inquieto e participativo, chegou mesmo a instalar um sistema de alto-falantes ao lado da tradicional Casa Nova, à rua General Ferreira do Amaral, pelo qual irradiava notícias importantes, comunicava aniversários e casamentos de qualquer um que lhe pedisse tal gentileza, fazia brincadeiras com os amigos mais íntimos, solicitava a seu caseiro Waldomiro Moreira que lhe providenciasse café ou sopa (visto que sua casa era bem próxima do “estúdio” e de lá seu empregado ouvia tudo com nitidez e de pronto o atendia) e, naturalmente, punha para tocar em velhos gramofones seus grandes sucessos musicais. Feito criança, a grande estrela criava por si mesmo na pequena cidade um programa musical agradável e divertido, tanto para ele quanto para seus admirados ouvintes. No rastro do cantor, outros ilustres personagens da vida carioca – entre empresários, radialistas, repórteres e artistas de renome – começaram a visitar a “Vila do Chico Alves”, e com isso Miguel Pereira viu-se ungida pela mesma fama que rodeava o astro, ganhando na capital uma divulgação ímpar.
    Como justa homenagem ao notável cantor que tanto amara Miguel Pereira e divulgara o nome do nosso Município no Rio de Janeiro, o Prefeito Fructuoso da Fonseca Fernandes, através de uma iniciativa de sua Secretaria de Educação comandada pelo professor José Sylvio Gomes, inaugurou em 19 de maio de 1974 o MUSEU FRANCISCO ALVES nas dependências do Castelinho (um prédio localizado no interior do Jardim Municipal que leva o nome do grande amigo de Chico, Francisco Marinho Andreiolo).
    No Museu Francisco Alves pode ser admirado um imenso acervo do cantor, entre fotos, objetos pessoais, partituras musicais, peças de vestuário, documentos, discos, fonógrafo, móveis e principalmente seu famoso violão.
    Embora tenhamos em nosso Município um espaço para relembrar a glória e o valor de um dos maiores mitos do cancioneiro nacional, é no cemitério São João Batista, na lápide do cantor, que ficou para sempre registrada a mensagem mais perfeita, aquela que de fato retrata bem a intimidade que sempre existiu entre o artista e o seu inseparável violão, nos versos magistrais de Joubert de Carvalho:


“Tu, só tu, madeira fria,
Sentirás toda agonia
Do silêncio do cantor...”

 

Imagem da Galeria Francisco Alves
Imagem da Galeria Ary Barroso, Cesar Ladeira, Carmem Miranda, Barbosa Junior e Chico Alves
Imagem da Galeria Museu Francisco Alves
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