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Miguel Pereira e a Estrada de Ferro Central do Brasil

Miguel Pereira e a Estrada de Ferro Central do Brasil

Data de Publicação: 1 de dezembro de 2017 11:03:00

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Por Sebastião Deister*


    Na segunda metade do século XIX, em função da contínua exportação do café produzido no Centro Sul Fluminense, verificou-se intenso fluxo ferroviário entre Belém (hoje Japeri) e Barra do Piraí, razão pela qual o Império concebeu a ideia de construir uma linha alternativa entre o Rio de Janeiro e Paraíba do Sul com o objetivo de recolher a produção da região de Paty do Alferes e de Miguel Pereira (então conhecida como Vila da Estiva).
    Os primeiros contratos destinados à construção de uma estrada de ferro que chegasse a Paraíba do Sul, com prolongamentos a Três Rios e Porto Novo do Cunha partindo de Belém (Japeri), foram assinados no Rio de Janeiro no dia 15 de março de 1882 pelo Governo da Província Fluminense em atenção a uma determinação do Imperador D. Pedro II que, com tais planos, desejava ver o interior fluminense coberto por uma vasta e profícua teia ferroviária. A via então proposta deveria seguir o curso do rio Santana, galgar as serras da Viúva e do Couto, ultrapassar as atuais terras de Portela e Miguel Pereira, atravessar a Freguesia de Paty do Alferes e daí continuar para Paraíba do Sul e Entre-Rios, de cujos entroncamentos com a bitola larga vinda de Barra do Piraí poderia seguir facilmente para Minas Gerais via Porto Novo do Cunha e Mar de Espanha.
    O projeto também previa que a nova ferrovia deveria ter bitola entre os trilhos de 1 metro, e para sua concretização foi fundada, em 17 de maio de 1890, a Estrada de Ferro Melhoramentos do Brasil pelos incorporadores André Gustavo Paulo de Frontin, Frederico Augusto Schmidt, Amarílio Vasconcelos, Francisco Bicalho, André Vieira Souto, Henrique Eduardo Heargraves e Conrado Niemeyer, além R. H. Batista F. Cia., empresa composta dos engenheiros Júlio Paranaguá e Rodolpho Henrique Batista, ao lado de outros profissionais e membros do Governo Provincial.
    Logo batizada como Linha Auxiliar, (por servir de apoio à Rede de Campos dos Goytacases, ou SR-8 – Superintendência Regional 8 – no Norte do Estado) a estrada cobriria 165 km, considerando a primeira seção entre a estação de Mangueira e Conrado (Raiz da Serra) com 85 km, rampa máxima de 1% e raio mínimo de 10m. A segunda seção abrangeria o trecho Conrado / Governador Portela, toda traçada no Vale do Santana e vencendo 25 km de extraordinárias dificuldades físicas impostas pelas montanhas, usando-se aí rampa máxima de 2,65% e raio mínimo de 100m. Na terceira parte, entre Govenador Portela e Paraíba do Sul, seriam vencidos 55 km, havendo na seção rampa máxima de 1% e raio mínimo de 100m até a Serra dos Taboões, na qual o raio mínimo seria de 140m.
    Na visita de reconhecimento logístico à região previamente mapeada, Frontin optou por usar as estradas de terra recém-abertas pelos caboclos da serra para acessar de forma mais rápida as encostas menos íngremes das colinas, em cujos flancos mais acessíveis poderiam ser cravados os trilhos da ferrovia desejada sem maiores contratempos. Com tal decisão, ficou determinado que o leito da estrada de ferro iria acompanhar as águas do Santana, já que o rio, de fato, configurava um referencial geográfico perfeito para a área. Essa escolha explica o fato de os trilhos que partem de Japeri escoltarem criteriosamente o Santana até a localidade de Vera Cruz, somente aí abandonando suas margens para desbravar as montanhas em direção a Francisco Fragoso e Governador Portela, já que, para leste, localizam-se as nascentes deste rio, lá pelas bandas da Serra de Santa Catarina, na divisa com Petrópolis, região que, obviamente, a estrada de ferro não poderia contemplar.
    No dia 2 de fevereiro de 1892 deu-se então partida à construção da Linha Auxiliar na chamada Estação de Alfredo Maia, na Mangueira (Rio de Janeiro), junto à Rua Figueira de Melo, sendo que três anos depois – em 1 de novembro de 1895 – os trilhos atingiam Honório Gurgel (km 17), destacando-se daí um ramal com cerca de 3 quilômetros, em linha reta, para a estação de Sapopemba (hoje Deodoro da Fonseca). Já em 29 de março de 1898, a Estrada de Ferro Melhoramentos do Brasil deu curso a uma série de inaugurações pela Serra do Tinguá, abrindo para o tráfego as estações de Sertão (hoje Conrado), Bomfim (agora Arcádia), Vera Cruz e o seu famoso viaduto, Conrado Niemeyer (depois batizada como Francisco Fragoso), Governador Portela, Estiva (ex-Barreiros e atual Miguel Pereira), Paty do Alferes, Arcozelo, Avelar, Andrade Costa, Cavaru e Barão de Werneck, além de diversas paradas de reabastecimento de locomotivas, entre as quais Paes Leme, Santa Branca, Engenheiro Adel, Monte Líbano, Barão de Javary, Monte Alegre, General Zenóbio (Pau Grande), Mestre Xisto, Bueno de Andrade e Taboões. Naquele auspicioso dia, os diretores da ferrovia orgulhosamente entregavam aos moradores da serra a Maria Fumaça embandeirada e fumacenta que, por muitos anos, foi motivo de alegria e prosperidade para todas as emergentes cidades do vale do rio Santana. Infelizmente, D. Pedro II, o maior de todos os mentores dessa obra meritória, não mais se encontrava entre nós, haja vista ter falecido em Paris em 1891.
    Na realidade, considera-se como Linha Auxiliar o leito ferroviário que parte da Estação de Alfredo Maia até a cidade de Três Rios (e não apenas até Paraíba do Sul), num total de 176,300 quilômetros, correndo então os trilhos dessa cidade até Porto Novo do Cunha, já na linha divisória com Minas Gerais.
    Em 2 de julho de 1903, a ferrovia serrana conectando Japeri a Três Rios foi incorporada à Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB), e por determinação expressa do ofício nº 835, datado de 16 de julho do mesmo ano, passou a ser definitivamente conhecida como Linha Auxiliar, apresentando em seu complexo um total de 61 unidades de trabalho, entre paradas de reabastecimento e estações para embarque e desembarque de passageiros e de cargas diversas. Contudo, por mais incrível que possa parecer, ao ser repassada para a Central do Brasil – apenas cinco anos após sua inauguração – a Linha Auxiliar já apresentava um déficit da ordem de Rs. 299:054$107 (duzentos e noventa e nove contos, cinquenta e quatro mil e cento e sete réis) além de muitos trechos da serra já em precário estado de conservação, havendo mesmo sérios riscos de descarrilamentos em alguns pontos mais íngremes das montanhas.
   Em 1957, com a criação da Rede Ferroviária Federal S/A – que unificou 19 estradas de ferro brasileiras –, a Linha Auxiliar passou a ser administrada pela Estrada de Ferro Leopoldina, cujo gerenciamento, até dezembro de 1986, ficou a cargo da Superintendência Regional de Juiz de Fora, esta, por sua vez, subordinada a CSP-3/Campos.
    A construção de vários ramais ferroviários pelo Tinguá – aos quais seria somado o trecho Governador Portela-Vassouras em 30 de maio de 1914 pelo então Presidente Hermes da Fonseca – com suas diversas linhas efluentes significou para a área Centro-Sul Fluminense sua redenção econômica, transformando-se aos poucos num preponderante fator de desenvolvimento social para todas as demais cidades serranas alocadas entre Japeri e Paraíba do Sul.
    Pela posição estratégica que ocupava no alto da serra, a estação de Governador Portela passou a abrigar importantes oficinas de consertos e manutenção de locomotivas e vagões, ao passo que Miguel Pereira se viu escolhida para sediar as atividades administrativas e logísticas do trecho compreendido entre Japeri e Paraíba do Sul. Ambas estão desativadas e muitas de suas antigas instalações, infelizmente, já desapareceram, permanecendo no local tão-somente o núcleo central das estações tombado pelo município.
    Nos anos setenta, com o asfaltamento da Rodovia RJ-125 ligando Miguel Pereira ao Rio de Janeiro através de uma ligação com a Via Dutra, em Japeri, e em virtude da sensível melhoria das vias de acesso a Paraíba e Vassouras, desativaram-se as composições que uniam nossa região ao Rio e a Minas Gerais, reduzindo-se drasticamente o fluxo de trabalhos pela Linha Auxiliar e desaparecendo os trens de passageiros pelas colinas. Na época, ainda cruzavam o município alguns comboios de carga transportando o minério de ferro e outros produtos das Minas Gerais – como ferro-gusa, ferro silício, ferro laminado, cimento e soda cáustica – para os portos da Baixada Fluminense. Por seu turno, a velha Maria Fumaça ainda tentou resistir ao repto de um melancólico eclipse social, circulando pela malha ferroviária de Miguel Pereira como trem turístico até ser aposentada no ano de 1986. Já entre 1993 e 1995, a empresa Montemar Turismo fez circular entre Conrado e Miguel Pereira o chamado Trem Azul, promovendo viagens que, semanalmente, atraíam para nossa terra centenas de turistas e levas de saudosos ex-ferroviários. Também a derrocada econômica levou a empresa à falência, e o que resta hoje dos gloriosos tempos da ferrovia são apenas fotografias nas quais podemos admirar a elegância dos nostálgicos trens que diariamente alegravam nossos vales e nossas montanhas.

 

Imagem da Galeria Maria Fumaça em Miguel Pereira
Imagem da Galeria Estação Ferroviária de Portela
Imagem da Galeria Viaduto Paulo de Frontin
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