Português (Brasil)

O Barão de Mentzingen

Data de Publicação: 10 de maio de 2023 11:08:00 Um nobre alemão em terras da antiga Miguel Pereira

Compartilhe este conteúdo:

Por Sebastião Deister*

 

ORIGENS

      Embora a maioria dos nobres senhores agraciados com títulos nobiliárquicos ao longo do século XIX tenha optado pelos territórios de Vassouras, Valença e Rio das Flores para implantar suas pioneiras atividades agropecuárias, também o Vale do rio Santana viu-se contemplado com a presença e os trabalhos de colonização de um representante da nobreza europeia, este de origem alemã: Wilhelm Ludwig Raban von Mentzingen (em português, Guilherme Luís Raban de Mentzingen), nascido em 9 de fevereiro de 1827 no castelo Mentzingen, Kraichtal, conforme consta no Livro de Registros do Ano 1827 da Igreja Evangélica Luterana de Karsruhe, Baden, Alemanha.
     É valido registrar que os Mentzingen, linhagem da qual o barão Wilhelm Raban foi o mais interessante representante no Brasil, tinham raízes cravadas no século XVI através do casamento do nobre casal holandês barão Único Ripperda/baronesa Judith van Twickelo. Por seu turno, Wilhelm apresentava parentesco distante com a famosa Rainha Vitória do Reino Unido (24.05.1819/22.01.1901), filha única e herdeira do príncipe Eduardo, duque de Kent and Strahearn, e da princesa Maria Sachsen-Coburg-Saalfeld, uma vez que, na Inglaterra, os Mentzingen provinham do Freiherr (barão) Georg von Khevenhüller III (1534-1587) casado em primeiras núpcias com Ana Thurzó de Bethlenfalva, enquanto a princesa Maria, mãe de Vitória, nasceu do segundo casamento do barão com Sibylla von Weitmoserl.
     Assim, vale a pena relembrar que, de acordo com o Livro de Referência Histórica da Nobreza Alemã “Neues Allgemeines Deutsches Adels-Lexicon”, Wilhelm era filho de Christian Ernst August Freiherr von und zu Mentzingen (nascido em Menzingen em 21 de junho de 1790) e de Antonia Freiin Leutrum von Ertingen (nascida em Augsburg, Baviera) em 2 de novembro de 1794. Christian era Freiheer (barão) da família Mentzingen e sua mãe membro da linhagem nobre suábia dos Leutrum. Nascido em 1827, Wilhelm era o filho mais jovem, e teve como irmãos Otili (1816), Maria (1816), Hermann (1817), Mathild (1818), Constantin (1821) e Ernst (1823). 
   Wilhelm Ludwig Raban von Mentzingen mudou-se para o Brasil em 1847 com cerca de 20 anos de idade. Na verdade, atraído pelo país e desejoso de se firmar na rica área agrícola e urbana de Vassouras, perecebeu que ali seria bastante difícil fazer frente aos poderosos senhores e barões que dominavam os trabalhos fazendários da região. Por essa razão, optou por se instalar no município de Iguassú (atual Nova Iguaçu), nas proximidades da então florescente Freguesia de Sant’Anna das Palmeiras do Alto da Serra do Comércio, localizada no topo da Serra do Tinguá, que detinha guarda administrativa sobre a região conhecida como Bom Fim (que, tempos depois, seria rebatizada como Arcádia), aos pés da serra do Tinguá e irrigada pelo rio Santana, território que então constituía uma célula atrelada ao vasto município de Vassouras. Ali adquiriu uma grande propriedade que batizou como Fazenda Monte Ararat, na qual pretendia cultivar o precioso e rentável café. Por sua origem nobre e elevado patrimônio financeiro, passou a ser conhecido como barão, referência usada até os dias atuais por seus descendentes, embora a família nunca tenha recebido oficialmente da Coroa Brasileira tal título nobiliárquico. Porém, sendo filho de um Freiherr (barão) alemão, Wilhelm foi contemplado com o direito de usar tal qualificação no Brasil pelo fato de a nobreza alemã ser hereditária para todos os membros masculinos, prerrogativa, contudo, não reconhecida entre as autoridades brasileiras.


O MATRIMÔNIO DO BARÃO


     Wilhelm casou-se com a brasileira Antônia Maria dos Santos (1842-1926) em 6 de novembro de 1857 na Fazenda Palmeiras, no Alto Iguassú, embora algumas fontes antigas da nobreza alemã deem o enlace como ocorrido em 16 de novembro de 1857. Antônia era filha do fazendeiro e agrimensor Antônio dos Santos (então proprietário da fazenda Palmeiras) e de Antônia Maria Ventura (ou Vieira). Com ela Wilhelm gerou os filhos Guilherme Filho (nascido em 17-06-1859); Alfredo (17-11-1861); Cecília (05-10-1863); Ernestina (24-04-1864); Isaltina (05-01-1869); Almerinda (?); Adolpho (?); Franklin (?) e Guilhermina (?). Por herança, Wilhelm e a esposa receberam a Fazenda Palmeiras (localizada no alto da serra), agregando-a patrimonialmente às terras formadoras da Fazenda Monte Ararat (construída aos pés das colinas e nas proximidades do rio Santana), assim estabelecendo na região um belo complexo agropecuário.
     Cumpre ressaltar que, na ocasião, o barão de Paty (Francisco Peixoto de Lacerda Werneck), administrava várias propriedades no alto de Iguassú. Em uma delas ele tentou construir uma grande igreja junto à Vila de Sant’Anna das Palmeiras do Alto da Estrada do Comércio, empreendimento que, além de não se concretizar, trouxe-lhe sérios aborrecimentos e muitos prejuízos financeiros.
     Como informação adicional, é importante lembrar que sem a existência de grande parte das atuais estradas que interligam tantas glebas inseridas no atual município de Miguel Pereira, a primitiva comunicação de Bom Fim (primevo nome de Arcádia retirado de uma fazenda homônima) com outros povoados e demais freguesias das serras da Viúva e do Couto (ramificações da Serra do Tinguá) era feita principalmente pela extensa Estrada do Comércio que, principiando na Vila de Iguassú, cortava a Serra do Tinguá, cruzava a Serra da Viúva, transpunha um trecho do Rio Santana e o território de Vassouras até alcançar Ubá nas proximidades do Rio Paraíba do Sul. Somente em 1898 o trem chegou à região, abrindo, assim, novas perspectivas de desenvolvimento e progresso para toda a área serrana. 
     Cotejando algumas datas, infere-se que o agrimensor Antônio dos Santos comprara a Fazenda Palmeiras do barão de Paty, repassando-a por herança, como dito acima, para o genro alemão. Sabe-se que Wilhelm, com o tempo, tornou-se um hábil engenheiro agrimensor, mensurando com sucesso muitas áreas pela região de Bom Fim e até mesmo em outros municípios. Assim sendo, é provável que ele, ainda jovem e cheio de planos, tenha aprendido a profissão com o sogro até então bastante requisitado no território de Sant’Anna das Palmeiras. 
     De fato, já em 1852 Wilhelm realizaria a medição topográfica da fazenda Campos Elíseos, em Valença, pertencente ao Coronel Peregrino José d’América Pinheiro, primeiro barão e visconde com Grandeza de Ipiabas. Seu trabalho foi tão bem aceito e elogiado pela família que em finais de 1883 também desenhou a planta completa do complexo fazendário da Campos Elíseos como parte do espólio do visconde falecido em 8 de junho daquele ano. 


O BARÃO, A FAZENDA MONTE LÍBANO E O CONDE D’EU


     Em 22 de setembro 1877, Wilhelm organizou e liderou uma expedição com quarenta roçadores e tropeiros para revitalização de um caminho na Serra do Tinguá por onde passaria uma caravana liderada pelo então Príncipe Imperial do Brasil, o Conde d’Eu  (Luis Felipe Maria Fernando Gastão d'Orleans, 1842-1922), que visitava a família Werneck na cidade de Paty do Alferes. Além da melhoria da pequena estrada, ele balizou todos os limites geofisiográficos da fazenda Monte Líbano, propriedade administrada pelo bacharel Manoel Peixoto de Lacerda Werneck, filho do barão de Paty do Alferes, onde a nobre comitiva pretendia pernoitar. Monte Líbano fora comprada em 1844 a Duarte José do Rego Gouveia, ficando, pelo inventário, para Manoel Peixoto.
      Inventariada após a morte do barão de Paty (ocorrida em 22 de novembro de 1861), Monte Líbano, portanto, coube a seu quarto filho, o Dr. Manoel Peixoto, que recebeu terras e mais os bens de raiz com 350 braças (cerca de 770 metros) de testada em quadra. A fazenda, situada numa das faldas mais ensolaradas e férteis das montanhas que circundam Vera Cruz, bem a cavaleiro do rio Santana, foi grande produtora de café na metade do século XIX, mas hoje restam ali apenas os destroços de seu naufrágio. Manoel faleceu em 23 de março de 1898, um ano depois de receber toda a documentação relativa à posse de sua fazenda, deixando viúva Evelina Teixeira de Macedo Werneck e órfãos os filhos Olívia, Sérgio e Francisca. 
      Lá pela metade do século XX, um empresário de Miguel Pereira tentou transformar a velha Monte Líbano em um Hotel Fazenda, nela alocando inclusive um pequeno cassino, mas tal empreendimento revelou-se um fracasso. Hoje, a propriedade pertence ao espólio da família de Ivo Pontes, de Miguel Pereira.
    
A FAZENDA MONTE ARARAT 

          Muitas notícias dando conta das ações do barão de Mentzingen apareciam em diversos periódicos fluminenses impressos na segunda metade do século XIX, como no Almanak Laemmert Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro e no Jornal do Commercio. As menções variavam bastante: publicidade sobre seus serviços como exímio agrimensor e produtivo lavrador, citações suas elogiando o Império Brasileiro, comunicações descritivas de suas viagens pela Província Fluminense e outros relatos referentes às suas atividades nas fazendas Palmeiras e Monte Ararat, tudo sempre referenciado nas publicações da época pelo equivalente idiomático de seu nome em português: Guilherme Luís Raban de Mentzingen, que assim será lembrado nos próximos parágrafos. No dia 15 de dezembro de 1855, ele partiu para a Europa, provavelmente para tratar de assuntos familiares, retornando meses depois. Fato importante remeteu-se ao dia 4 de junho de 1858, quando desembarcou no Brasil o barão Ernst von Mentzingen, seu irmão caçula. Ernst vinha a visita, permanecendo nas propriedades de Guilherme até 3 de setembro de 1858, dia em que retornou a Alemanha. 
     Todavia, a vida na localidade de Bom Fim e nas fazendas Palmeiras e Monte Ararat era muito complicada por conta das dificuldades sociais e econômicas próprias do século XIX, sendo, muitas vezes, maculada por circunstância tristes e inesperadas que normalmente brotavam no seio da ambiência escravocrata imposta nas propriedades de Guilherme Luís. Consta, por exemplo, que em determinada ocasião um feitor da Fazenda Palmeiras teria castigado um negro de nome Joaquim Mina de maneira excessivamente violenta. Não ficou explícito nos comentários da época se a ação do capataz fora uma decisão própria e individual ou se agira sob ordens diretas de Guilherme, mas o medo e o ressentimento alastraram-se junto aos demais escravizados, levando alguns deles a uma audaciosa insubordinação. Com efeito, na noite de 15 para 16 de novembro de 1853 foi veiculada a notícia de que quatro escravos chamados Antônio, Jacintho, Vicente e Camillo teriam fugido da fazenda para se ocultar em um quilombo na Estrada do Comércio, levando objetos pessoais, carregando alimentos e subtraindo algumas armas. Guilherme logo tratou de prometer boa gratificação a quem os capturasse, mas não existe documentação que registre o aprisionamento dos rebelados e sua possível recondução à fazenda. De qualquer maneira, seria válido registrar que no interior da Reserva Biológica do Tinguá, por onde passa a centenária Estrada do Comércio, encontram-se vestígios de um antigo refúgio, provavelmente o quilombo citado nos escritos de Guilherme de Mentzingen.
     Em 1920, Antônia Maria de Mentzingen, viúva do barão e então com 79 anos e residindo em Vassouras, foi obstada pela justiça devido à sua caducidade. Na realidade, ela era herdeira direta da Fazenda Monte Ararat, e seu filho Guilherme de Mentzingen Jr. (1859-1922) em conluio com o cunhado Sebastião Corrêa, temendo uma eventual morte de Antônia, teriam pedido que ela assinasse a venda da Fazenda Monte Ararat a um determinado fazendeiro por um preço absolutamente irrisório. Posteriormente, o comprador revenderia a propriedade a Guilherme Jr. e Sebastião, negociata que, certamente, causaria prejuízo aos outros herdeiros e a alguns credores da família Mentzingen, uma vez que a fazenda não poderia ser transacionada em virtude da alienação hipotecária a que estava sujeita. Assim, a suposta (e suspeita) venda cruzada não foi concretizada por conta da intervenção do promotor da época, decisão que acabou levando Antônia à interdição pela Justiça de Vassouras que, afirmando sua incapacidade de decisão ditada pela idade avançada, não lhe dava discernimento para assinar qualquer tipo de documento relativo à comercialização da fazenda.
     Após o litígio, a propriedade entrou em franco declínio e acabou sendo desmembrada em múltiplos lotes de terra, pouco a pouco deixando de pertencer à família Mentzingen, muito embora alguns descendentes de Wilhelm tenham adquirido parte dos terrenos divididos, ali implantando algumas atividades agropecuárias que, com o tempo, por conta da mão de obra ineficiente, da falta de equipamentos mais modernos e, principalmente, da concorrência de outras propriedades mais bem preparadas, levaram Monte Ararat a um fim melancólico e irreversível.
      Guilherme Luís foi um dos subscritores da petição enviada pelo barão de Paty do Alferes ao Governo Imperial em 1852 pedindo um alvará para implantação de uma paróquia na Freguesia de Sant’Anna das Palmeiras destinada a atender os grupos católicos da região, cujo decreto de criação nº 813 expedido pela Província Fluminense ocorreu em 6 de outubro de 1855. 
       Como vimos ao longo de textos anteriores, Guilherme foi o responsável pela instauração da estirpe Mentzingen no Brasil. Atualmente, a maioria de seus descendentes ainda vive no país, concentrando-se em maior parte na cidade do Rio de Janeiro e no município de Miguel Pereira, com destaque para familiares alocados no distrito de Governador Portela. Outros famiiares vivem em Maricá (RJ), Ponta Grossa (PR), Brasília e Florianópolis (SC).
     Seus últimos anos de vida foram marcados pelos transtornos políticos advindos da queda da monarquia e subsequente instauração da República. Anteriormente, ele já sofrera sérios problemas econômicos determinados pela superprodução de café no Vale do Paraíba, com várias propriedades entrando em bancarrota por conta da Abolição da Escravatura. Isolado em Bom Fim, ele não conseguiu enfrentar as consequências dos problemas agrários ocorridos em Vassouras e em outras localidades periféricas. As dificuldades de exportação dos produtos de suas terras foram lentamente minando seu cultivo e baixando seus lucros. Mesmo com a presença da estrada de ferro passando nas proximidades de sua propriedade (a estação de Bom Fim/Arcádia fora inaugurada em 29 de março de 1898 pela Estrada de Ferro D. Pedro II), o que poderia facilitar o envio de sua produção para o Rio de Janeiro, o preço do frete estava sempre acima dos eventuais rendimentos de suas colheitas, provocando-lhe assim prejuízos insanáveis. Por conseguinte, sem conseguir evitar dívidas crescentes, Guilherme acabou por hipotecar a fazenda, deixando para a esposa e filhos o futuro controle de suas propriedades até ali tão bem cultivadas. Com efeito, o que se sabe é que antes de seu falecimento o barão nutriu alguns desgostos familiares, além da questão da crise econômica ocorrida no final do século XIX pela qual ele se viu duramente atingido.
     Com 75 anos de idade, Guilherme Luís Raban de Mentzingen faleceu às sete horas e trinta minutos da manhã do dia 6 de junho de 1902 na Fazenda Monte Ararat. Foi sepultado no Cemitério da Conceição, em Arcádia, onde ainda repousa.
      Após passar pelas mãos da família de Sebastião Teixeira Portela, oriunda de Governador Portela, as glebas da desaparecida Monte Ararat agora fazem parte das propriedades administradas pelos familiares do falecido Rogério Cavalcanti Van Rybroek. A Fazenda São João da Barra, encravada entre as terras dos municpios de Engenheiro Paulo de Frontin e Miguel Pereira, hoje constitui o fulcro principal da administração territorial do complexo fazendário da famíilia.

 

Imagem da Galeria Barão de Mentzingen
Imagem da Galeria Fazenda Monte Ararat no século XIX
Imagem da Galeria Antônia e dois filhos
Imagem da Galeria Túmulo de Mentingen em Arcádia - Miguel Pereira
Compartilhe este conteúdo:

  Seja o primeiro a comentar!

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Envie seu comentário preenchendo os campos abaixo

Nome
E-mail
Localização
Comentário

Você conhece a região Vale do Café/RJ?


Você conhece a região Vale do Café?

Voto computado com sucesso!