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Quilombo de Manuel Congo – o cantar de liberdade a que memória alguma apagará

Quilombo de Manuel Congo – o cantar de liberdade a que memória alguma apagará

Data de Publicação: 1 de junho de 2016 11:13:00

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Por Prof. Simão Pedro dos Santos*

"A raça que te enforca, enforca-se de tédio, negro! [...]
E o teu riso, e a tua virgindade e os teus medos e a tua bondade
mudariam a alma branca cansada de todas as ferocidades!"
(Olá! Negro – Jorge de Lima, de Poemas Negros)

     Uma das mais tocantes crônicas da escravidão brasileira ocorreu no sul fluminense, especificamente, na chamada região de Vassouras na primeira metade do século XIX. Tivemos, a exemplo do Nordeste brasileiro do século XVII, o “Zumbi” que, como seu irmão de Palmares, desafiou os poderosos senhores de sua época. Enfrentou-os, sacudiu os chamados baluartes das forças econômicas e políticas locais, sem medo, sem covardia, sem se entregar, sem vacilar.
     Manuel Congo é sinônimo de resistência e enfrentamento quando lidera, junto a seus irmãos, não o grito da vingança, alegação de alguns, mas dos injustiçados. Quando há a necessidade da luta por justiça, quando há o clamor para que esta ocorra, só se pode cogitar da ânsia por liberdade, por quebra de correntes, por arrebentamento de cadeias. A vingança pela vingança não persiste no tempo, na memória, na história.
    Evidentemente, nesse país de casas grandes as senzalas eram tolhidas do grito, do manifesto, da contestação, e quando o faziam, as chibatas serpenteavam no ar em repreensão para servir de exemplo, argumento então corrente, com o fim de que atitudes semelhantes não fossem copiadas nem repetidas.
     Manuel Congo não temeu a certeza do açoite e quiçá da morte, - que veio - e lutou com, e pelos seus, em renhida batalha nos sertões da Vassouras, nos primeiros trinta anos do oitocentos. A revolta a que liderou se deu quando em novembro de 1838, um capataz do capitão-mor Manoel Francisco Xavier matou a tiros um escravo deste. Enfrentar o assassino, sem sucesso, a Guarda Nacional local, - sob o comando de Laureano Correia e Castro e do major Lourenço Luís de Athayde -, entre outros poderosos de seu tempo, não representava tarefa das mais fáceis.
    A Serra de Santa Catarina foi, indubitavelmente, o símbolo maior da resistência dos aquilombados das terras sul fluminenses. Suas estratégias para atrair e combater o inimigo, seus senhores, e aqueles ao seu serviço, como a Guarda Nacional, redundaram na certeza, por seu poder de fogo, ou pelo tinir de seus facões e foices, de que poderiam sair vitoriosos: debandada, mortes, abandono de armas, declínio, a princípio, das tropas de Correia e Castro e Athayde. Dos negros, a segurança de que sairiam para a liberdade. Sonhos!
    Não lembraram ou não sabiam os quilombolas da Vila de Vassouras, da existência do já truculento e impiedoso Luiz Alves de Lima e Silva. Aquele a quem, anos mais tarde, deu-se o nobiliárquico título de duque de Caxias. Reconhecimento por serviços prestados ao Império. Luiz Alves de Lima e Silva não perdoou os revoltosos. Ao Quilombo de Santa Catarina restou a honra da resistência, da luta e do não entregar-se, com saldo, embora, da morte de homens feitos, mulheres, velhos e crianças. Luiz Alves não se eximiu de seguir as orientações do comando do Exército Imperial: não houve reféns nem negociação. Justino Benguela, Antônio Magro, Pedro Dias, Belarmino, Miguel Crioulo, Canuto Moçambique e Afonso Angola, alçados, como Manuel Congo, ao patamar de lideranças do levante, sofreram a pena, cada um, de 650 chibatadas, distribuídas em um período de dez dias, além da condenação à marcação a ferro, o que soava como impiedoso castigo e desonra.
    Manoel Congo, capturado, tinha de ser mantido vivo para julgamento, sob o famigerado pretexto de que serviria como modelo a não ser seguido pelos demais escravos. A cronística local reza que, do dia 22 de janeiro de 1839, ironicamente na Praça da Concórdia, diante da Igreja Matriz da Vila de Vassouras, até o dia 31 do mesmo janeiro, julgou-se a causa de Manuel Congo. Foi juiz Inácio Pinheiro de Souza Verneck, cuja ponderação culminou pena capital. Morte por enforcamento e insepulta. No Largo da Forca, em 6 de setembro de 1839, cumpria-se a sentença. Nos anais da história de todo o sul fluminense a partir de então, ficou a marca da coragem de Manuel Congo ao preferir a morte à escravidão, se não fosse fadado àquela em seu veredicto. Em apenas 49 de existência deu esse homem provas de que não morreu, pois sua memória perdura e perdurará, pois o servir de exemplo, proposta dos senhores de então para configurar o grande flagelo aos quilombolas dessas terras, foi tiro que saiu pela culatra: Manuel Congo e seus irmãos são exemplares até aos nossos dias. E não iremos esquecê-los.
   Não fossem os remanescentes casarões, as placas de rua e os perdidos logradouros locais não se saberia de Laureano Correia e Castro nem de Lourenço Luís de Athayde nem de Inácio Pinheiro de Souza Verneck nem de Manoel Francisco Xavier... Aliás, quem foram Lourenço Luiz de Athayde e Manoel Francisco Xavier?
    Por ventura, nomes como Caxias e tantos outros, foram elevados à categoria de heróis por uma elite que sempre gritou, quererá gritar e que não aceita o grito daqueles não se lhes dobram aos pés.

    Zumbi, Manuel Congo, Justino Benguela, Pedro Dias, João Cândido e outros vivem, porque uma grande memória os consagrou e lhes prestará reverência. O Panteão a esses heróis não se faz de cimento armado. Sua construção se dá pela memória. No povo. E isto o tempo não destrói nem torna em ruínas.

 

Imagem da Galeria Revolta de Manoel Congo aconteceu em novembro de 1838
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