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Santana das Palmeiras do Alto da Serra do Comércio

Santana das Palmeiras do Alto da Serra do Comércio

Data de Publicação: 1 de setembro de 2017 11:06:00

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Por Sebastião Deister*

     A Estrada do Comércio, rasgada no coração da floresta do Tinguá e que tanto progresso transportou para as áreas inseridas entre a Baixada de Iguaçu e as regiões de Valença e Rio das Flores, serviu de pretexto para uma das mais ousadas obras do barão de Paty do Alferes (Francisco Peixoto de Lacerda Werneck) na metade do século XIX. Às margens daquele pioneiro caminho, ele tentou concretizar seu sonho de construir uma cidade que alicerçasse um trecho de apoio às caravanas que circulavam diariamente entre os vales dos rios Paraíba e Santana e o Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que pretendia homenagear a princesa Isabel, batizando a vila com o nome de Isabelópolis em consonância com Petrópolis (a cidade de D. Pedro II).
     Contudo, Isabelópolis não passou de uma caríssima e frustrada utopia, pois nela Francisco gastou cerca de 60 contos de réis, uma fortuna expressiva para a época. Por outro lado, as obras minaram parte de sua resistência orgânica, testaram ao extremo sua paciência e levaram à morte vários de seus preciosos escravos, alguns abatidos pela dureza do trabalho e outros tantos dizimados por doenças tropicais galopantes, como o cólera, a malária e a febre amarela. Também onerado por dívidas geometricamente crescentes, sofrendo com safras ruins e insuficientes em suas fazendas, enfrentando graves problemas com a reposição de mão-de-obra qualificada e principalmente lutando contra a carestia de gêneros necessários à manutenção de seu numeroso plantel escravo, o barão mostrou um profundo desagrado com algumas medidas econômicas tomadas no Brasil que, por vezes, corroíam seus bens financeiros.
     De qualquer forma, entre 1851 e 1852 Francisco, perseverante, otimista e esperançoso como era de seu perfil, já mantinha 30 trabalhadores e mais 12 juntas de bois envolvidos nos serviços de remodelação e ampliação da capela no Alto da Serra do Comércio. A Igreja de Santana, totalmente levantada em pedras colossais, deveria dominar, no espaço de um ano, uma área de 150 fogos (ou seja, 150 famílias), mas em finais de 1852 encontrava-se ainda desamparada dos serviços da religião. 
     A obra estava quase totalmente terminada quando três dias de chuvas ininterruptas e violentas fizeram vir abaixo sua torre e toda a fachada da Igreja. A parede do leste, desaprumada, precisou também ser de pronto demolida, da mesma forma como a parede dos fundos. Obstinado, ele levou seu projeto à frente. No mês seguinte, encontrava-se praticamente concluída a IGREJA DE SANTANA DE ISABELÓPOLIS DO ALTO DA SERRA DO COMÉRCIO, e o barão pedia apoio às mais importantes figuras da região para a representação escrita que pretendia enviar ao Governo Provincial e ao Prelado da Diocese objetivando criar ali, em definitivo, uma Paróquia, fazendo questão de mencionar a excelente localização da Freguesia no Alto da Serra.
     Seus pedidos encontraram eco junto aos governantes, tanto que, em 6 de outubro de 1855, era expedido o DECRETO Nº 813 nos seguintes termos:

      “Fica criada a Freguesia de Santana das Palmeiras no Município de Iguassú, desmembrando-se da de Nossa Senhora da Piedade, no mesmo Município, e das de Nossa Senhora da Conceição do Paty do Alferes e de Sacra Família do Tinguá, do Município de Vassouras, o território que lhe deve pertencer, com os limites estabelecidos pelo Governo.”
    
     Aos poucos, a freguesia foi abrigando uma expressiva população, tanto que, em vista de seu crescimento, o Governo da Província achou por bem nela instalar um cartório para registrar nascimentos, casamentos e óbitos e um posto de atendimento policial, como podemos conferir pelas seguintes deliberações emanadas em finais do auspicioso ano de 1856, época em que o barão mais trabalhou pela sua cidade:

“DELIBERAÇÃO DE 15 DE NOVEMBRO DE 1856
Fica criado um Distrito de Paz na Freguesia de Santana das Palmeiras, do Município de Iguassú, tendo por limites os mesmos designados na Deliberação de 4 de outubro de 1856.”
“Fica criada uma Subdelegacia de Polícia na Freguesia de Santana das Palmeiras, no Município de Iguassú, tendo por limites os mesmos definidos na Deliberação de 4 de outubro de 1856.”

     Não obstante os ingentes e continuados esforços do barão, sua Santana das Palmeiras teve uma vida efêmera e até mesmo melancólica. Em 1858, uma devastadora epidemia de malária varreu a baixada de Iguassú, provocando a fuga de quase todos os seus moradores para freguesias mais distantes e, por conseguinte, mais seguras. Nem bem os remanescentes da vila se haviam recuperado desta tragédia e o cólera se abateu sobre a região, ceifando mais vidas e pondo em polvorosa as autoridades da Província.
    É certo que, entre 1880 e 1898, ainda sobreviviam por ali algumas famílias teimosas e destemidas, mas a triunfal passagem da ferrovia por Belém (hoje Japeri) unindo em definitivo o Rio de Janeiro às cidades da Serra – transportando com rapidez, segurança e conforto os produtos que normalmente transitavam em lombo de mulas pela tortuosa e perigosa Estrada do Comércio – solapou de vez aquele entreposto comercial, e assim a vila, a igreja, a delegacia, a escola, as casas e o cemitério foram deixados em meio à mata, lá repousando hoje tão somente as ruínas de um grande sonho. 
    Essa é a Santana das Palmeiras do Alto da Estrada do Comércio, a Isabelópolis, o sonho derradeiro do barão de Paty e a lembrança pesarosa dos árduos tempos de ocupação dos flancos do Tinguá. Esse, enfim, é o enigma desvendado daquela catedral inimaginável mergulhada nas fímbrias da delicada floresta da nossa serra, cujo rufar de brisas amenas por certo até hoje abarcam os melódicos e dolorosos cantos dos negros sofridos que a ergueram, decoraram e consagraram, mas que com ela foram sepultados para todo o sempre.

Imagem da Galeria Ruínas de Santana
Imagem da Galeria Ruínas de Santana
Imagem da Galeria Barão de Paty do Alferes
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